Monday, June 15, 2009

Olhares


O que sou, então? Não me resta senão procurar a resposta nos olhos dos outros. Vou à procura de olhares e, por isso, gosto de andar no anonimato do metropolitano, frente a frente com os olhares desconhecidos: olhares baços, alguns, outros curiosos, uns poucos em desafio, outros tímidos, suplicantes, sonhadores. Nada me dá maior gosto do que o jogo dos olhares. Olhares que me procuram traiçoeriamente para logo me fugirem quando os enfrento, com lances de bate e foge, um sorriso fugidio, uma desatenção fingida, um desprezo ocasional, uma súplica inconsequente de intimidade, um genuíno evitamento, tal como eu faço com eles. São esses os verdadeiros espelhos onde nos refazemos através dos outros. 

***

Não me dou bem com a ideia de ser um prolongamento do passado. Ele é um trilho que me empurra para a frente, mas não sei para onde. Apenas naquela direcção. Gostaria, sim, de ver uma meta, mas não creio que seja o passado a dar-ma. É verdade que já tive metas. Muitas se revelaram enganos, outras ficaram ultrapassadas. Agora estou sem sentido, apenas os olhares conhecidos a empurrarem-me para a frente. Não gosto disso, quero ser eu próprio a inventar os meus caminhos.
Por isso, amanhã, vou para um lugar onde ninguém me conhece. Vou renascer no primeiro olhar que me encontre.



J.L. Pio Abreu (quem nos faz como somos)

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